domingo, 18 de dezembro de 2011

Lenda de Cairé e Catití


As informações de Couto de Magalhães sobre a teogonia selvagem vulgarizam na planície a imagem da lua cheia: Cairé – por ele revelada como instrumento destinado a despertar as saudades no amante ausente. Segundo o experimentado sertanista, os tupis consideravam as luas, cheia e nova, elementos auxiliares de Rudá, os deus do amor, e tinham invocações semelhantes às que cantavam aquele deus, e para o mesmo fim de trazer os amantes ao lar doméstico, pelo poder da saudade. Eram estas as invocações à lua cheia (cairé) e a lua nova (catiti):
Cairé, cairé nú
Manuára danú çanú
Eré ci erú
Piape amu
Omanuara ce recé
Quanhá pitúna pupé
Catiti, catiti
Imara notiá
Notiá imára
Espejú (fulano)
Emú manuára
Ce recé (fulana)
Cuçukui xa ikó
Ixé anhú i piá póra.
Cuja tradução, apesar da ignorância do sentido de alguns versos, é assim apresentada:
Eia, ó minha mãe (a lua) fazei chegar esta noite ao coração (do amante) a lembrança de mim.
Lua nova, ó lua nova! Assoprai em fulano lembranças de mim, eis-me aqui, estou em vossa presença; fazei com que eu tão somente ocupe seu coração.
E existência de um deus do amor na teogonia tupi, como pretende Couto de Magalhães, é formalmente contradita pelos estudos efetuados em torno da alma aborígene e "incompassível com o seu fetichismo astrolátrico ainda mal definido" opina Basílio de Magalhães. Entretanto o autor de O Selvagem afirma que ouviu esses cantos repetidos as populações do Pará, conservando deles até a música.
É imenso, variado e pitoresco o lendário indígena criado em torno da lua cheia. Uma das suas mais interessantes manifestações encontra-se entre os índios Inay e me foi narrada pelo paulista Pedro Faber Halembrck, que com eles convive e se faz revelador de seus costumes bem como de um curioso sistema de contagem pelas rotações do sol. Vede como é delicioso em sua ingenuidade este conto colhido entre os índios Inay, esta umbesáua cheia ao mesmo tempo, de ternura e malícia:
OS MARIDOS DA LUA
O indiozinho deitado na rede de tucum, está quase dormindo. A índia moça canta junto, sob uma árvore uma coisa esquisita que ninguém entende. De repente, um raio da lua, sem pedir licença entra pelas folhas e vai bater na rede em que o indiozinho está quase dormindo.
O menino esfrega os olhinhos espia pela fresta e aponta para o alto, perguntando o que é aquilo redondo, bonito , prateado, que esta lá em cima no céu...
E a mãezinha dele explica. Explica lá na sua língua, que ninguém entende. Aquilo é a moça lua. Sim, a moça lua. Uma moça que tem dois maridos. O primeiro é um tipo mau, escasso, brabo. Nada lhe dá pra comer. Promete-lhe surras. E a pobrezinha vai ficando magra, delgada, fina, doentinha que uma tristeza. Faz até dó. A gente olha cá de baixo e vê a coitadinha. Parece um esqueleto, um esqueletinho curvo, suspenso no céu.
Quando ela já está quase na espinha aparece então o outro marido. Esse é bonzinho meigo, carinhoso. Leva-a para casa. Trata bem dela. Dá-lhe ervinhas macias, frutas gostosas, leite de castanha. E a lua começa então a engordar ficar outra vez bonita, nova, clara, leitosa, redonda como uma bola que a noite iluminasse com leite.
É assim como essa imaginação fácil, curiosa e espontânea que a mãe do indiozinho lhe ensina aquilo que nós por aqui, chamamos quarto minguante e quarto crescente, isto é, as fases da lua no seu movimento de translação em torno da terra.

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